31 de jul. de 2022

O Míssil

          Yellow e Green estavam andando de skate no bairro do Maracanã. Eram vizinhos entre bairros dentro de uma cidade pequena. Em meio aqueles bairros ao redor do referencial Maracanã os jovens se encontravam naturalmente afim de praticar esportes, desde futebol a bicicleta e assim muitos andaram de skate. Esses dois estão entre aqueles que o skate entrou no sangue, ou porque não rotular com as palavras que vem das sombras ``skatistas lendários``. E nesse rolê de skate foram até uma quadra de futsal que naquele horário da manhã costumava estar vazia. Os dois entram na quadra, jogam os skates no chão, dão umas remadas e brincam até quando o Green percebe que tem um objeto estranho em um canto da quadra:
          - Chegaí, o que é isso? Que bagulho estranho.
          O Yellow se aproxima curioso e responde em simples:
          - Não sei que isso... Move ae o objeto! 

          Os dois ficam observando por mais alguns minutos e questionam se é verdade aquilo que veem, não acreditam direito. Poderia ser uma bomba ou qualquer coisa do gênero. Foi então que os dois concordaram ao mesmo tempo ``é um missíl``, com uma expressão de surpresa e calma. Não deram a relevância real e necessária àquilo e então voltaram a andar de skate. 
          
O míssil ficou de lado a princípio, foi então que alguns minutos mais tarde Yellow tomado por uma ideia cômica foi até ele, o pegou sem nenhum receio e levou a remadas até o centro da quadra. Tomou uma pequena distância, deu meia volta e seguiu frente ao explosivo, pulou por cima. Foi quando Green que em um primeiro instante reprovou a ideia, no segundo instante possuido por um espírito de competidor enveredou a remadas em direção ao Míssil e também deu um Ollie. Aquele dia teria sido uma sessão de solo comum, quando se treina giros porque não tem obstáculos mesmo, só que não. Agora havia um obstáculo e foi uma sessão com Flips, Nollie, e manobras por cima do Míssil. Fato é que o skate é um esporte cheio de erros mesmo e assim várias skatadas eram dadas no míssil que não explodia. Afinal de contas a sensação de normalidade costuma fazer parte da experiência humana e assim o míssil ia parecendo cada vez mais amigável do que qualquer outra coisa. Além de que a ideia de ser perigoso não só aos dois, também ao bairro, condicionava um ar que deixava tudo mais engraçado. No final do dia o Yellow pergunta:
          - Quem vai ficar com o Míssil? - Apegado e sem esperar resposta - Deixa que eu levo pra casa.

          Aquele míssil era um contraste em uma quadra de futsal dentro de um bairro familiar. Poderia ter caído de um avião e não explodido? Ou poderia ser um fruto de contrabando bélico?
A cidade de Foz do Iguaçu é um ponto do Brasil que faz fronteira com o Paraguai e com a Argentina. A linha de fronteira entre os três países é um rio que corta essas terras, chamado de Rio Paraná. Este Rio nasce próximo a Brasília e quando chega por aqui se divide em dois continuando Rio Paraná e segue para um lado como Rio Iguaçu, esse ponto de bifurcação do Rio é a margem final do Brasil e também o ponto entre os três países. O Rio Iguaçu que segue, desagua nas turísticas Cataratas do Iguaçu que categorizam a cidade de Foz do Iguaçu como cidade turística.
          Fato é que a divisão do Brasil e do Paraguai feita por um Rio é conectada por uma Ponte que é chamada de Ponte da Amizade. Sei que a política tributária do Paraguai é muito diferente e as taxas de importações são realmente mais baixas, então é muito comum que qualquer comerciante abra uma empresa dentro do Paraguai e faça importações com impostos muito reduzidos. Logo todo produto importado pelo Paraguai é muito mais barato, e como faz fronteira com o Brasil o comerciante compra no Paraguai e atravessa a ponte trazendo para o Brasil. (Pra você ter uma ideia da diferença de preços em virtude das taxas tributárias, pega o preço de um eletrônico de supermercado e compara aqui https://www.comprasparaguai.com.br/ - interprete como atacado e faz x1000 e depois coloca no preço brasileiro). Esse livre comércio gera alguns fatores: a primeira cidade do Paraguai ante a fronteira é uma cidade comercial. As pessoas da região costumam atravessar a ponte e mantém o fluxo intenso, trabalhando entre os países. A fiscalização não dá conta do fluxo intenso de comerciantes e turistas, são milhares de pessoas por dia.
          A fiscalização sendo limitada alguns pequenos crimes passam naturalmente pela ponte, nesse sentido é possível supor que por algum motivo e em algum momento poderiam ter passado mísseis. Da onde podíamos imaginar a origem de um míssil, afinal havia um naquela quadra. 

          No outro dia par a par foi uma galera na casa do Yellow. Chegaram de arguile e skate perguntando daquele objeto tão falado, e então Yellow fala:
          - Se liga o Míssil tá aqui ainda - Buscou e voltou dizendo - Nós ficamos melhores amigos, bem íntimos, tivemos até uma noite do pijama, fizemos umas sessões de skate e tudo.
          No quintal da casa pegaram algumas cadeiras de praia e sentaram em roda, acenderam o arguile e ficaram conversando. Foi quando o Green trouxe uma séria questão à superficie:
          - Será que não explode por nada ou será que pode explodir dependendo das circunstâncias?
Com a inocência em potencial autodestrutivo, quando a decisão errada vem com amor, tomado pelo apreço o Yellow responde:
          - Acho que não explode, não. Porque depois de tudo - Relembrou cada um dos momentos vividos - e não explodiu. Teve skatada que deu em cheio assim, era pra ter explodido já, e nada.
Continuaram por ali carburando o arguile em companhia do míssil e conversando sobre a vida, conversando sobre skate. 
          
Depois de uma hora foram levantando um a um prontos pra andar de skate. Decidiram ir até a quadra fazer aquela sessão solo e levaram o míssil. Lá posicionaram o objeto no centro da quadra e ficaram dando saltos com manobras de giros. Naquela tarde não haviam preocupações, não haviam certezas, não haviam dúvidas, havia só céu azul infinito e skateboard. Estavam em cinco e passaram o dia todo andando, o Sore até tirou um spray da mochila e graffitou o muro da quadra com um desenho mais ou menos assim: 




          Continuaram se divertindo até que o Blue tomado por uma ideia genial que gerava um irresistível desdobramento de eventos sequenciais, chamou todo mundo e sugeriu o seguinte:
          - Vamos ligar na polícia e dizer que acabamos de encontrar. Eles vão levar a sério e vão vir, quando chegar vão ver que a coisa é séria mesmo. A gente dá um susto nos policiais com uma bomba desse tamanho e ainda se livra do bagulho.
          Entre eles a ideia pareceu boa. A íntimo todos sabiam que brincar de dar Ollies sobre o explosivo era coisa errada. Existia uma despreocupação amorosa enquanto lá no fundo uma fagulha de nobreza sabia do que se tratava, das ácidas consequências que não apareciam, e o que deveriam fazer tamém.

          Ligaram pra polícia que atendeu o chamado peculiar com seriedade. Pediram o endereço e afirmaram que mandariam uma viatura.
          Uns quinze minutos depois a viatura chega em simples com dois policiais. Para e abre a porta do carona, desce um policial perguntando do chamado e escuta da molecada:
          - Tem um míssil ali no canto da quadra. 

          O oficial entra na quadra e vai se aproximando do canto até reconhecer que era realmente verdade. Volta e faz algumas perguntas: qual a procedência? quanto tempo se passou desde que encontraram?
          Alguns minutos passaram em silêncio imantados por uma tensão no ar. Os dois policiais conversaram e voltaram aos jovens pedindo que eles mantenham distância da quadra e que iriam tomar as medidas cabíveis. E dentro da viatura passaram o rádio para o chefe que pediu uns minutos, logo ele retorna dizendo:
          - Vamos enviar um esquadrão antibombas ao local.

          Não existe esquadrão antibombas em cidades pequenas, afinal não há uma necessidade nesse sentido. Embora situações que as pessoas encontram grandes explosivos, tal ou qual um míssil em uma quadra de futsal, exigem uma equipe preparada para o desarme e a remoção. Então a Polícia de Foz do Iguaçu ligou pra Polícia de Curitiba que possuía um Esquadrão Antibombas, e na distância próxima a 700km eles atenderam o chamado. No início de uma tarde de quarta-feira saiu de Curitiba uma viatura com uma equipe tática em direção a Foz com o objetivo de recolher o míssil de modo seguro. Daí em diante demorou muito e levou o dia todo. Enquanto o tempo passava aparecia uma viatura, e mais uma, e mais uma, até que haviam inúmeras viaturas, uma moldura com os skatistas assistindo aquele contraste bélico sobre a quadra.

          A viatura chegou de Curitiba em uma daquelas noites que o sol ainda está no céu, 19:00hrs e dia. O perímetro estava todo isolado e eles entraram em ação com todo o procedimento correto e profissional, vedaram o míssil - e taí um momento que traz um medo esperançoso e imagina-se que tudo vai pelos ares - e sequencialmente o recolheram de modo apropriado. Tudo tranquilo e nada de bombar, esse esquadrão de Curitiba falou com os policiais da cidade e foram embora. E assim todos foram indo embora e a vida continuou.

          E o Yellow conta até hoje:
          - O pânico foi geral. Minha mãe me xinga até hoje porque eu levei aquele míssil pra casa. Eu realmente tive sorte de que aquele negócio nunca explodiu. 





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