10 de jan. de 2020

O emaranhado na gringa



Nessa época a gente aprontava muito, sem tranquilidade, início do milênio, quando a gente alugava fita de vídeo na skateshop pra assistir algum... Aliás, lembro que a 411 era cinquenta centavos por dia, ficava um mês lá em casa... Andava de skate na frente dos shoppings sabadão e chegava nas baladas da argentina... Colava nos bares paraguaios, cantava só as chinesas, pedia as garrafas caras ao garçom... Gatas de vários países, negócios e fronteira, um ponto de encontro a se desfrutar misturas... O garçom trazia no balcão, ele dava as costas, a gente saía com a garrafa pra dentro da night... e, naquela noite, foi desde cerva a tequila ou bebidas azuis do infinito ao surreal.

- Hoje à Argentina é sem massagem né Alfa? - Blue-men celebra comigo, juntamente a uma noite prometida.
Bebemos várias, sempre um copo na mão, a visão turva, o teto preto, o som alucinante, só delírio. Pego uma gata meio termo, de relance em um golpe de cantada; lembro que no banheiro vi um cara no chão, tinha um moleton dentro do vaso; Blue-men pegou amizade com a Dj; Os golpes de luzes deleitavam rebolados de gatas multicoloridas, vestidos amarelos, vestidos vermelhos; achei uma bala de menta na minha boca; A noite rolava solta, os sábados rolavam soltos, só falcatruas...

A menina que eu cantei ficou falando por um tempão, não lembro o que, lembro que enchia o saco... Então peguei o copo plástico com licor e virei na cabeça dela... Nessa o segurança veio pra cima, e eu tava muito louco, segurou meu braço e não entendi direito, ``ele quer brigar?`` E não soltava. ``Então ele quer brigar!`` Já mandei um box no meio da fuça, ele foi pro chão, no outro instante, eu tava no chão... Cinco seguranças, a raiva atravessou o couro, rápido fui pro box com todo mundo... Hoje eu vejo que foi merecido, porque não tinha jeito, a gente era loucasso na época... E tomava soco, desnorteava, não ia pro chão, não sentia. Dava soco sem ver, batia em cheio, batia e escapava. Golpeava pensando em defender, defendia mirando a próxima. Argentinos por todos os lados, me seguraram no mata leão, arrastaram pra fora da night. Lá fora, solto, me vi sem camisa, só sangue, procurando meu carro ``No porta mala tão todas as ferramentas do skate, volto logo buscar um por um desses arrombados!`` Não encontrei, não achava meu carro, não sabia da minha camisa. Peguei a chave, fechei na mão, vi feito soquera e voltei pra cima dos caras! Cheguei esmurrando o cara dessa forma... Recomeçou e logo chegou a Polícia, parei no chão, nessa eu levei bicudo e bem me recordo, sosseguei. Tive que sossegar, cinco seguranças, polícia, abatido e doidão...

Me colocaram na caçamba da viatura, conversavam em espanhol, calmos, enquanto eu pensava ``Vão me matar! Vão me matar!``. A cena parecia prometer final triste ``Mas, qual deles vai me matar? Um deles. Um deles vai me matar!`` e sentia uma certeza que dava vez à aceitação... Chegamos na delegacia e lá a sessão box recomeçou, dessa vez só tomei porrada. Um dos sujeitos que se envolveu na troca de socos dentro da balada era policial, ele foi me pegar na delegacia, lá foi um box mais cruel. Me soltaram dentro da cela, fiquei muito louco, mijei no chão! Pensava que iria sair em cinco minutos, não sabia que ia ficar por ali. Mandaram entregar os tênis e o cadarço da cinta, pensavam que eu ia me matar. Fiquei por ali, sem ter onde pisar, sem ter onde sentar. Só fato triste.

Fiquei bastante tempo por lá, pensando, as algemas foram necessárias, eu brigava sem tombar, apanhava, mas não tombava, bravo... Depois de tudo, cela, enquanto imaginava que se fosse no paraguai eu virava presunto... Uma amiga foi naquela noite na delegacia dos castellanos tentar me soltar, não conseguiu... Pediram dinheiro vivo, ela só tinha cartão. Fiquei por lá nessa noite. No outro dia pude ligar pro socorro, chamei o Bulltz diretamente do Center Company, treinava Nollie Varial Flip no final de semana e era amigo de infância; estudamos juntos, ele era advogado, na época, há uns três anos...

Dia seguinte de opalão, Bulltz chega na penitenciária argentina, em sua primeira tentativa de negociar a minha soltura. Não consegue, óbviamente, queriam mais que uma fortuna e dormi mais uma noite, sem curativo, sem massagem, entre grades e pesadelos.

Noutro dia trash o escritório de advogados mobiliza, chegam com um pedido de soltura de preso brasileiro, cujas leis próprias dariam conta da pena. Foi quando eu Alfa, ensopado em sangue rijo, pude sair do amargor da garganta dos argentinos, em meio ao terceiro dia de confinamento.

Chego no país sem acreditar, sem conseguir conceber tudo que havia passado. Deixei pra agradecer melhor o amigo logo que melhorasse e parti, sem curativo, pra casa do Delta. Irmão de todos os dias e todas as sessões, abriu a porta naturalmente e... Não acreditou, não entendeu, não era uma realidade: Um buraco no fim da sombrancelha direita, um balão roxo na sobrancelha esquerda, lábios da Jolie e bochechas de boxeador.

Acolhido, eu contava delirando os útlimos dias, os pais do Delta me olhavam entre o espanto e a não compreensão. Passaram-se muitos dias e o tratamento digno de um hospital teve de se resumir a itens médicos caseiros. O reflexo da noite se deu por uma revisão pessoal, eu aprontava muito... De qualquer maneira, passou, e por lá eu volto, mas, hoje na tranquilidade. Atrás de uns pastéis de presunto e queijo e umas brejas... Pra não esquecer que o ponto das gringas do mundo todo, auroras de loiras, luzes noturnas, bordas de praças, bares e feirinhas, a night continua...!

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