Yellow
e Green estavam andando de skate no bairro do Maracanã. Eram
vizinhos entre bairros dentro de uma cidade pequena. Em meio aqueles
bairros ao redor do referencial Maracanã os jovens se encontravam
naturalmente afim de praticar esportes, desde futebol a bicicleta e
assim muitos andaram de skate. Esses dois estão entre aqueles que o
skate entrou no sangue, ou porque não rotular com as palavras que
vem das sombras ``skatistas lendários``. E nesse rolê de skate
foram até uma quadra de futsal que naquele horário da manhã
costumava estar vazia. Os dois entram na quadra, jogam os skates no
chão, dão umas remadas e brincam até quando o Green percebe que
tem um objeto estranho em um canto da quadra:
-
Chegaí, o que é isso? Que bagulho estranho.
O
Yellow se aproxima curioso e responde em simples:
-
Não sei que isso... Move ae o objeto!
Os
dois ficam observando por mais alguns minutos e questionam se é
verdade aquilo que veem, não acreditam direito. Poderia ser uma
bomba ou qualquer coisa do gênero. Foi então que os dois
concordaram ao mesmo tempo ``é um missíl``, com uma expressão de
surpresa e calma. Não deram a relevância real e necessária àquilo
e então voltaram a andar de skate.
O
míssil ficou de lado a princípio, foi então que alguns minutos
mais tarde Yellow tomado por uma ideia cômica foi até ele, o pegou
sem nenhum receio e levou a remadas até o centro da quadra. Tomou
uma pequena distância, deu meia volta e seguiu frente ao explosivo,
pulou por cima. Foi quando Green que em um primeiro instante reprovou
a ideia, no segundo instante possuido por um espírito de competidor
enveredou a remadas em direção ao Míssil e também deu um Ollie.
Aquele dia teria sido uma sessão de solo comum, quando se treina
giros porque não tem obstáculos mesmo, só que não. Agora havia um
obstáculo e foi uma sessão com Flips, Nollie, e manobras por cima
do Míssil. Fato é que o skate é um esporte cheio de erros mesmo e
assim várias skatadas eram dadas no míssil que não explodia.
Afinal de contas a sensação de normalidade costuma fazer parte da
experiência humana e assim o míssil ia parecendo cada vez mais
amigável do que qualquer outra coisa. Além de que a ideia de ser
perigoso não só aos dois, também ao bairro, condicionava um ar que
deixava tudo mais engraçado. No final do dia o Yellow pergunta:
-
Quem vai ficar com o Míssil? - Apegado e sem esperar resposta -
Deixa que eu levo pra casa.
Aquele
míssil era um contraste em uma quadra de futsal dentro de um bairro
familiar. Poderia ter caído de um avião e não explodido? Ou
poderia ser um fruto de contrabando bélico?
A
cidade de Foz do Iguaçu é um ponto do Brasil que faz fronteira com
o Paraguai e com a Argentina. A linha de fronteira entre os três
países é um rio que corta essas terras, chamado de Rio Paraná.
Este Rio nasce próximo a Brasília e quando chega por aqui se divide
em dois continuando Rio Paraná e segue para um lado como Rio Iguaçu,
esse ponto de bifurcação do Rio é a margem final do Brasil e
também o ponto entre os três países. O Rio Iguaçu que segue,
desagua nas turísticas Cataratas do Iguaçu que categorizam a cidade
de Foz do Iguaçu como cidade turística.
Fato
é que a divisão do Brasil e do Paraguai feita por um Rio é
conectada por uma Ponte que é chamada de Ponte da Amizade. Sei que a
política tributária do Paraguai é muito diferente e as taxas de
importações são realmente mais baixas, então é muito comum que
qualquer comerciante abra uma empresa dentro do Paraguai e faça
importações com impostos muito reduzidos. Logo todo produto
importado pelo Paraguai é muito mais barato, e como faz fronteira
com o Brasil o comerciante compra no Paraguai e atravessa a ponte
trazendo para o Brasil. (Pra você ter uma ideia da diferença de
preços em virtude das taxas tributárias, pega o preço de um
eletrônico de supermercado e compara aqui
https://www.comprasparaguai.com.br/
- interprete como atacado e faz x1000 e depois coloca no preço
brasileiro). Esse livre comércio gera alguns fatores: a primeira
cidade do Paraguai ante a fronteira é uma cidade comercial. As
pessoas da região costumam atravessar a ponte e mantém o fluxo
intenso, trabalhando entre os países. A fiscalização não dá
conta do fluxo intenso de comerciantes e turistas, são milhares de
pessoas por dia.
A
fiscalização sendo limitada alguns pequenos crimes passam
naturalmente pela ponte, nesse sentido é possível supor que por
algum motivo e em algum momento poderiam ter passado mísseis. Da
onde podíamos imaginar a origem de um míssil, afinal havia um
naquela quadra.
No
outro dia par a par foi uma galera na casa do Yellow. Chegaram de
arguile e skate perguntando daquele objeto tão falado, e então
Yellow fala:
-
Se liga o Míssil tá aqui ainda - Buscou e voltou dizendo - Nós
ficamos melhores amigos, bem íntimos, tivemos até uma noite do
pijama, fizemos umas sessões de skate e tudo.
No
quintal da casa pegaram algumas cadeiras de praia e sentaram em roda,
acenderam o arguile e ficaram conversando. Foi quando o Green trouxe
uma séria questão à superficie:
-
Será que não explode por nada ou será que pode explodir dependendo
das circunstâncias?
Com
a inocência em potencial autodestrutivo, quando a decisão errada
vem com amor, tomado pelo apreço o Yellow responde:
-
Acho que não explode, não. Porque depois de tudo - Relembrou cada
um dos momentos vividos - e não explodiu. Teve skatada que deu em
cheio assim, era pra ter explodido já, e nada.
Continuaram
por ali carburando o arguile em companhia do míssil e conversando
sobre a vida, conversando sobre skate.
Depois
de uma hora foram levantando um a um prontos pra andar de skate.
Decidiram ir até a quadra fazer aquela sessão solo e levaram o
míssil. Lá posicionaram o objeto no centro da quadra e ficaram
dando saltos com manobras de giros. Naquela tarde não haviam
preocupações, não haviam certezas, não haviam dúvidas, havia só
céu azul infinito e skateboard. Estavam em cinco e passaram o dia
todo andando, o Sore até tirou um spray da mochila e graffitou o
muro da quadra com um desenho mais ou menos assim:
Continuaram
se divertindo até que o Blue tomado por uma ideia genial que gerava
um irresistível desdobramento de eventos sequenciais, chamou todo
mundo e sugeriu o seguinte:
-
Vamos ligar na polícia e dizer que acabamos de encontrar. Eles vão
levar a sério e vão vir, quando chegar vão ver que a coisa é
séria mesmo. A gente dá um susto nos policiais com uma bomba desse
tamanho e ainda se livra do bagulho.
Entre
eles a ideia pareceu boa. A íntimo todos sabiam que brincar de dar
Ollies sobre o explosivo era coisa errada. Existia uma despreocupação
amorosa enquanto lá no fundo uma fagulha de nobreza sabia do que se
tratava, das ácidas consequências que não apareciam, e o que
deveriam fazer tamém.
Ligaram
pra polícia que atendeu o chamado peculiar com seriedade. Pediram o
endereço e afirmaram que mandariam uma viatura.
Uns
quinze minutos depois a viatura chega em simples com dois policiais.
Para e abre a porta do carona, desce um policial perguntando do
chamado e escuta da molecada:
-
Tem um míssil ali no canto da quadra.
O
oficial entra na quadra e vai se aproximando do canto até reconhecer
que era realmente verdade. Volta e faz algumas perguntas: qual a
procedência? quanto tempo se passou desde que encontraram?
Alguns
minutos passaram em silêncio imantados por uma tensão no ar. Os
dois policiais conversaram e voltaram aos jovens pedindo que eles
mantenham distância da quadra e que iriam tomar as medidas cabíveis.
E dentro da viatura passaram o rádio para o chefe que pediu uns
minutos, logo ele retorna dizendo:
-
Vamos enviar um esquadrão antibombas ao local.
Não
existe esquadrão antibombas em cidades pequenas, afinal não há uma
necessidade nesse sentido. Embora situações que as pessoas
encontram grandes explosivos, tal ou qual um míssil em uma quadra de
futsal, exigem uma equipe preparada para o desarme e a remoção.
Então a Polícia de Foz do Iguaçu ligou pra Polícia de Curitiba
que possuía um Esquadrão Antibombas, e na distância próxima a
700km eles atenderam o chamado. No início de uma tarde de
quarta-feira saiu de Curitiba uma viatura com uma equipe tática em
direção a Foz com o objetivo de recolher o míssil de modo seguro.
Daí em diante demorou muito e levou o dia todo. Enquanto o tempo
passava aparecia uma viatura, e mais uma, e mais uma, até que haviam
inúmeras viaturas, uma moldura com os skatistas assistindo aquele
contraste bélico sobre a quadra.
A
viatura chegou de Curitiba em uma daquelas noites que o sol ainda
está no céu, 19:00hrs e dia. O perímetro estava todo isolado e
eles entraram em ação com todo o procedimento correto e
profissional, vedaram o míssil - e taí um momento que traz um medo
esperançoso e imagina-se que tudo vai pelos ares - e sequencialmente
o recolheram de modo apropriado. Tudo tranquilo e nada de bombar,
esse esquadrão de Curitiba falou com os policiais da cidade e foram
embora. E assim todos foram indo embora e a vida continuou.
E
o Yellow conta até hoje:
- O pânico foi geral. Minha mãe me xinga até hoje porque eu levei
aquele míssil pra casa. Eu realmente tive sorte de que aquele
negócio nunca explodiu.
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